Presente de grego

22/12/2011 - Uma resposta

Se tem uma coisa nesse mundo que a gente precisa tomar cuidado, é presente. Presente  é uma coisa pessoal, íntima. Tanto para quem dá, quanto para quem recebe.

Eu me lembro como se fosse hoje, por exemplo, de um presente que eu dei para uma garota, quando eu tinha aí, por volta dos dez anos de idade. A garota, cujo nome me escapa (Paula? Angélica?), alvo talvez dos meu primeiros e ainda misteriosos descaminhos hormonais, era uma loirinha requisitadíssima na escola, tanto pelos bando mais atlético dos meninos quanto pelas meninas mais “descoladas”.

Ainda sem experiência no ramo da conquista, ingenuamente arrisquei-me a, anexo ao pequeno pacote de bombons sabor cereja, enviar, junto ao presente de aniversário, alguns versos de minha autoria que, desde aquela época, já tentava infrutiferamente algum sucesso no ramo da literatura. O verso?

“Doces para um doce.”.

Bem, nem é preciso dizer que, na segunda-feira pós-aniversário da loirinha (Beth? Ana Clara?), todos os marmanjos da escola passavam a mão na minha cabeça dizendo “mas que doce…” ou “quer ver o melhor doce do mundo? Aqui, ó!” e outras expressões menos elegantes referentes ao mundo das guloseimas e comilanças.

Presente não é coisa que se brinque. A menos, é claro, que ele seja um supercarrinho de controle remoto, capaz de fazer loopings a 60km/h em 3D numa pista do circuito de Mônaco, como o que ganhou meu sobrinho no último natal.

Isso para você não passar por um vexame semelhante ao que passou um amigo meu, o Orlando, um ilustrador famoso lá pelas bandas da Capital. Ao saber que eu andava meio adoentado, e sem saber exatamente o que eu tinha, veio me fazer um visita, trazendo consigo um presente, preparado carinhosamnte por Cecília, sua esposa. Quando desembrulhei, topei com um vidro de pimenta-dedo-de-moça e um litro de licor de jabuticaba, ambos frutos da produção caseira de seu sítio. Justo para mim, que acabara de dar entrada na papelada para um transplante de fígado, e cuja inflamação nas hemorróidas andava me impedindo até de me sentar.

Para a Cecília, aviso que, quem experimentou, achou tudo uma delícia. Mas, para o Orlando… bem. Da próxima vez, vê se dá uma pesquisada antes de dar um presente, tá?

(a ilustra dessa crônica foi um PRESENTE do grande amigo quase irmåo, Custódio Rosa Filho)

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Cadáveres

20/12/2011 - Uma resposta

Os cadáveres. De uma maneira assim, bastante geral, os cadáveres encontram-se irremediavelmente mortos. Ou seja, não se movem, não se reproduzem, não comem e, especialmente, não assistem futebol na TV domingo à tarde, tomando cerveja e fazendo rodelas com as latinhas no verniz da mesa da sala.

Quer dizer, os cadáveres são seres primitivos e altamente previsíveis, dos quais até mesmo um pobre coitado de um débil mental fugido de um manicômio qualquer consegue se desvencilhar sem muitos problemas.

Então, por que cargas d’água a gente fica completamente paralizado quando topa com um deles assim, no meio do corredor de um hospital, como aconteceu comigo ontem à tarde?

Veja bem, nem noite era, horário mais propício aos poucos cadáveres recalcitrantes que insistem em caminhar por aí em alguns antigos filmes de terror ou em pesadelos de crianças ou adultos menos dotados. Não. Era uma tarde ensolarada e calourente, típica desses nossos modorrentos e tristes trópicos. Estava eu andando por ali, vasculhando os corredores do hospital à procura de uma máquina de coca-cola quando, ao dobrar um dos seus muitos cruzamentos, topei com ele: o dito cadáver. E, devo adiantar, não se tratava de um cadáver de todo feio. Era um cadáver até que bastante digno em sua cadaveridade. Nada de sangue, pústulas ou membros amputados. Apenas um cadáver, provavelmente já de banho tomado para sua última viagem, solitário em sua sapiência de conhecer um segredo o qual nenhum de nós, os vivos, ainda sabe ou virá um dia a saber.

Fiquei olhando para ele e, ouso dizer, tive a impressão de que também era observado. Dois seres tão iguais em sua anatomia e, ao mesmo tempo, tão diferentes em sua essência.

Cada qual por uma razão paralisado em frente ao outro numa esquina dessa vida que se torna, a cada dia que vivemos, mais estranha e assustadora.

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Acordei meio zoró

18/12/2011 - 2 Respostas

Encefalopatia. Um nome bem invocado para o que a coisa realmente é. Encefalopatia é, nada mais, nada menos, do que ficar “meio zoró”.  Sabe o que é “ficar zoró”, né? Não conhecer direito as pessoas com quem você convive diariamente, se esquecer completamente de qual seria exatamente a serventia daquele rolo de papel que está ali, ao lado do vaso sanitário. Ou então, em casos mais graves, plantar uma bananeira na beira de um prédio de 12 andares.

A Encefalopatia tem diversas causas. A principal delas é o mal funcionamento do fígado, seja por causa de uma hepatite mal curada, seja por anos e anos de muita farra. Aí você está ali, normalzinho como sempre foi e, de repente, sem nenhum aviso prévio, você se esconde atrás do sofá  tentando se proteger das flechas de índios Apache e gritando: Mulheres e crianças, corram para o porão!

Pois bem. Outro dia desses, fui acometido por uma encefalopatia leve. Não me escondi de Apaches, nem me esqueci de para que servia o papel higiênico, nem nada dessas coisas. Apenas “desliguei” do restante da civilização, e comecei a zanzar pela casa aparentemente sem nenhuma motivação ou destino. Quando dei por mim, estava internado num hospital, com alguns frascos gotejando soro nas minhas veias e, provavelmente, bastante sedado, já que nem consegui dizer para minha mulher que eu estava de volta.

Aos poucos, as pessoas começaram a conversar comigo, as enfermeiras, minha esposa, minha filha, e todos concordaram que eu já conseguia balbuciar algumas palavras que faziam algum sentido, e que minhas afirmativas a respeito dos Apaches (ok, confesso, durante a crise eu me escondi de um Apache) estavam devidamente sanadas. Aliás, a primeira coisa que eu disse, nem foi uma afirmação. Foi uma pergunta:

– Que dia é hoje? – eu indaguei para minha esposa que, com os olhos marejados, sorriu e disse que era segunda-feira.

– Segunda-feira? Puts grila, quer dizer que eu perdi o meu domingo inteirinho?

Todo mundo no quarto riu. Um enfermeiro comentou que eu já estava bom. Minha filha deu risadas altas e nervosas, dizendo que esse sim era o pai dela. E, dois dias depois, embora ainda um pouco assustado, eu já estava em casa, comendo uma macarronada com a família e fazendo planos para a ceia de Natal e Reveillon.

Hoje, pensando no assunto, eu fiquei pensando que, talvez, o que nos diferencia dos outros animais, não seja nem o polegar opositor, nem o tele-encéfalo altamente desenvolvido.

Talvez, o que nos faça seres humanos completos, seja apenas…. o humor!

A lenda da Árvore de Natal (e de quebra, a do Papai Noel também)

17/12/2011 - Leave a Response


O pai e o filho pendurando os enfeites na Árvore de Natal.

– Passa essa estrela dourada aí, filho.

– Essa?

– É. Ficou bom aqui?

– Ficou. Ficou sim. Mas, ô pai…

– Hum?

– Essa árvore é de verdade?

– É claro que é. Você não está aí, pegando nela? Então é de verdade.

– Não é isso, pai.

– O que é então?

– Eu estou perguntando se ela é de verdade mesmo, dessas de plantar.

– E para quê você quer saber uma coisa dessas?

– Pra saber, ué.

– Tá bom. Ela não é de verdade. Passa essa bola vermelha aí.

– O quê?

– Essa bola aí, do seu lado. Passa pra mim.

– Ah, tá.

– Você acha que a bola fica bem aqui?

– Fica. Fica sim. Ô pai…

– Hum?

– Porque é que a gente tem que colocar árvore no Natal?

– Por quê? Oras, por que… por que sim. Para enfeitar.

– Enfeitar o quê?

– A casa. Todo mundo enfeita a casa no Natal.

– E enfeita com árvore por quê?

– É porque a árvore é… é… é uma lenda antiga, filho.

– E como é que é a lenda?

– A lenda? Bem. É uma lenda comprida, quer mesmo saber?

– Quero.

– Hum, bem, é que antigamente, tinha…hum… uma árvore que…hum… dava
presentes!

– Dava?

– É. Os presentes nasciam nela, sabe? Que nem fruta. E a época dela de dar
frutas era justamente na época do Natal. Nascia de tudo. Videogame.
Computador. Celular. Mp3. De tudo mesmo. E aí era só as pessoas irem lá e
pegarem os presentes. Ninguém precisava pagar nada. E então… então…

– Então o quê?

– Então… bem, então os donos das lojas começaram a ficar bravos porque
ninguém mais comprava presentes e eles não ganhavam dinheiro. E então…
então eles resolveram cortar todas as Árvores de Natal do mundo!

– Nossa…

– Uma noite, os donos das lojas, vestidos de vermelho e usando uma barba
branca falsa para disfarçar, saíram cortando todas as árvores, usando a
serra que eles levavam num saco. Não sobrou nenhuma! E desde aquele dia, a
gente tem que pagar caro pelos presentes de Natal…

– Os donos da loja… De vermelho? Com um saco? E barba branca?

– É… isso mesmo e… e… me passa esse sininho aí.

– O quê?

– Esse sino prateado. Pega aí. Pra pendurar na árvore!

– Ah, tá… – disse o filho, olhando desconfiado.

Onde será que anda aquele Papai Noel de porcelana que minha mãe colocava todos os anos embaixo da Árvore de Natal?

17/12/2011 - Leave a Response

Entrei na sala de espera de um escritório e lá estava ela. Era moderna, quase irreconhecível em suas linhas retas recortadas em plástico transparente. Só as bolas coloridas e a estrela prateada ainda a caracterizavam como uma autêntica e genuína Árvore de Natal.

Houve um tempo em que a primeira Árvore de Natal do ano sempre me causava um certo espanto. Eu não conseguia conter um comentário “— Nossa, mas já é Natal de novo?” ou “— Parece que ainda ontem eu estava comendo o último pedaço do tender do reveillon!”. Acontece que até esses comentários se tornaram meio repetitivos. Todos os anos o Natal chega mais rápido do que a gente imaginava que ia chegar. Todos os anos o ano acaba mais depressa. Todos os anos o comércio prepara uma Promoção de Natal onde são sorteados carros e motos entre os consumidores. Todos os anos os jornais na TV começam a tecer comentários comparando o péssimo Natal deste ano com o maravilhoso Natal do ano passado e mostram os comerciantes preocupados e as vitrines enfeitadas com placas de liquidação.

No Fantástico, vai ter aquela reportagem mostrando aquele mundaréu de gente andando pelos corredores refrigerados de um Shopping, e outra cena mostrando as lojas vazias, e aí um balconista comentando que o movimento deste ano caiu bastante em comparação com os outros anos, e depois uma entrevista com um consumidor dizendo que só vai comprar umas lembrancinhas e olhe lá.

E depois vai ter aquelas entrevistas na rua, perguntando o que é que o pessoal vai fazer com o décimo terceiro, e a maioria vai fazer piadinha, que vai pegar o décimo terceiro e pagar as contas e assim mesmo não vai dar, e outros dizendo que vai ter ovo frito e carne moída na ceia desse ano ah ah ah, e depois a reportagem fecha com uma velhinha dizendo que vai comprar sim uns presentinhos e que Natal é só uma vez por ano, que vale a pena e tudo o mais, e ela vai olhar para a tela e sorrir e o pessoal da produção do jornal vai colocar uma musiquinha de Natal no fundo, e corta para os apresentadores e eles dizem boa noite sorrindo.

E o Papai-Noel vai chegar de helicóptero numas cidades, e vai descer de pára-quedas em outras, e vai dar a volta num carro de bombeiros em outras, e em outras ainda o prefeito vai dar a chave da cidade para o Papai Noel e vai sair uma foto do evento na manchete do jornal do dia seguinte e depois as lojas vão ser invadidas por velhinhos aposentados com fantasias calorentas e distribuindo balas e tocando sininhos e o repórter da TV vai entrevistar um deles e ele vai fazer um rô rô rô e o pessoal da produção vai colocar uma musiquinha de Natal no fundo, e corta para os apresentadores e eles dizem boa noite sorrindo.

É meio melancólico ficar velho. Não triste. Melancólico.

Competição

27/11/2011 - Leave a Response

Agora deu de todo mundo reclamar que o mundo está cada vez mais competitivo. Que nossas crianças não arrumam mais nem tempo para brincar, porque os pais colocam as coitadinhas em aulas de inglês, aulas de natação, aulas de computação, aulas de balé, tudo para que elas se tornem adultos mais competitivos. E que isso é que está causando todos esses males desse nosso novo século como ansiedades, frustrações, depressão e tudo o mais.

Oras. Que eu saiba, o mundo sempre foi um lugar competitivo. E não é só com os seres humanos não. Para todo lado que você olha, tem competição. Veja aí o mundo dos animais. Tem até aquele ditado, talvez você conheça. Ele fala mais ou menos assim:

“Toda manhã, na África, uma gazela acorda. Ela sabe que deverá correr mais rápido do que o leão, ou morrerá.Toda manhã, na África, um leão acorda. Ele sabe que deverá correr mais rápido do que a gazela, ou morrerá de fome. Na África, quando o sol surgir no horizonte, não importa se você é leão ou gazela: o melhor que você tem a fazer é começar a correr…”

E que eu saiba, nem leão, nem gazela, sofrem de males como transtorno bipolar, enxaqueca ou insônia. Eles apenas vão tocando a vida, correndo quando precisa e descansando quando dá. E no planeta todo, isso acontece há milhares de anos. Talvez milhões.

Tudo bem que o ser humano tem a incrível capacidade de elevar uma coisa natural a um grau de saturação que acaba mesmo causando algum problema. Hoje em dia, já existe escola de inglês para crianças de 2 anos. Dois anos, puxa vida! Com dois anos, uma criança não sabe nem fazer xixi no banheiro direito, caramba, vai querer enfiar mais uma língua na cabeça dela?

Mas o caso mais doentio de competitividade exacerbada que eu vi nos últimos tempos foi quando eu passei internado uns dias no HB, em Rio Preto. No quarto em que fiquei, só tinha paciente com a mesma doença, e todos passavam pelo mesmo tratamento. A gente tinha que tomar muito diurético, porque nosso corpo não estava conseguindo eliminar os líquidos necessários. Então, de quinze em quinze minutos, a gente fazia xixi numa espécie de urinol, e logo depois a enfermeira vinha medir para ver se estávamos melhorando. O engraçado é que tinha lá um senhor meio calvo que, logo depois que a enfermeira saía, sempre perguntava quanto é que a gente tinha feito de xixi. Ante a nossa resposta, ele sempre fechava a mão, num gesto de vitória, e falava:

– Ganhei de novo! Por 50 ml!

Aí ele se virava para a parede, puxava a coberta. E dormia feliz.

SOS SOS SOS SOS SOS SOS

22/11/2011 - 2 Respostas

Quando uma comissão de países europeus definiu o chamado Código Morse Internacional, incluiu-se um sinal de pedido de socorro, fácil de ser lembrado em situações de emergência mesmo por pessoas com pouco ou nenhum conhecimento de telegrafia. Era uma simples combinação de duas letras, cada uma codificada por três sinais idênticos: três toques curtos para S, três toques longos para O e, novamente, três toques curtos para S, sem pontuação.

Tudo bem. Com esse monte de iPad, iPod, smartphones, computadores e o escambal, hoje em dia, ninguém mais usa telégrafo. Ou quase ninguém. Mas o sinal de SOS pegou, e se tornou uma espécie de ícone, reconhecido por qualquer moleque de dez anos. Bem, outro dia,  folheando uma revista em quadrinhos antiga, fiquei olhando o tal sinal de SOS, desenhado pairando sobre o mar. Uma onomatopéia saindo de um navio prestes a afundar.

E reparei numa coisa que nunca tinha reparado antes. SOS, o sinal de socorro, se escreve exatamente com as mesmas letras que se usa para escrever “sós”.  SÓS de sozinhos, sabe? De solidão. Que vem do Latim “solus” e não tem nada a ver com telégrafo, código Morse ou qualquer coisa assim. Não é extremamente irônico que as mesmas letras, atravessando caminhos tão diferentes, acabem desembocando em significados tão próximos como “solidão”  e “socorro”? Pois não é essa a história de nossa vida? Uma busca incessante por alguém ou alguma coisa que nos ajude a sair desse isolamento ao qual todos fomos condenados?

Outro dia, me peguei rezando. É, RE-ZAN-DO. E rezando um Pai Nosso, daqueles bem clássicos. Seguido de uma Ave Maria. No embalo, acho que rezei quase um terço. Não sei o que é. Talvez seja a idade. Ou esse monte de doença que deu para aparecer em mim, vindas sabe-se lá de onde. A verdade é que, chega uma hora, a gente se cansa e se assusta com essa solidão a que estamos confinados, e Deus é uma idéia excepcionalmente boa para ser menosprezada.

E, apesar da esposa fazer de tudo pela gente, desde cafuné até curativos. Apesar da filha me levar e buscar no emprego, como eu fazia com ela no tempo da escola. E apesar do meu neto aparecer com sorrisos nas horas mais inesperadas, fazendo o restante do mundo simplesmente derreter ao redor dele. Apesar de tudo isso ainda me sinto extrema e extenuantemente só aqui por dentro e, na dúvida, rezar nunca fez mal para ninguém.

Aviso prévio

14/11/2011 - Leave a Response

Imagine só a seguinte cena. Dois lutadores de boxe, ou desse tal de UFC, que está mais na moda, entram no ringue. E fazem todas aquelas bobageiras que eles fazem antes de começar a luta. Param no meio do ringue. Fazem uma careta bem feia um para o outro. E depois, olhando bem nos olhos do adversário, começam a… falar para o outro o que é que eles pretendem fazer durante a luta! Tipos.

– Olha. Eu vou começar dando soquinhos de esquerda para te distrair. Quando você achar que eu só sei dar esses soquinhos, eu pego e te dou um murro de direita, que é o meu forte. E depois, quando você cair, eu tento o nocaute com um chute no seu fígado. Entendeu?

– Certo, entendi.  Bem, eu vou fazer diferente. Como eu gosto mais de lutar no chão, primeiro eu vou tentar passar uma rasteira em você. Se você cair, imediatamente eu pulo sobre você e começo a dar murros atrás da sua orelha, que é onde fica aquele líquido que dá equilíbrio para a gente, sabe?

– Sei. Mas e se eu não cair?

– Uma hora ou outra você cai. Eu estudei luta greco-romana a fundo, sou faixa preta de judô, fiz estágio na própria China com grandes mestres do Kung-Fu. Passei mais de dez anos desenvolvendo essa técnica de derrubar o outro. Não tem erro. Uma hora você cai.

– Hum, então não tem jeito, mesmo. Ô seu juiz! Pode vir aqui um instante?

– Pois não. Chegaram a alguma conclusão?

– Chegamos. O cara aí vai ganhar.

– Tem certeza?

– Tenho. Ele fez aí um monte de estudos na China e tudo o mais. Eu só sei dar uns soquinhos. Ele ganha. Sem sombra de dúvidas.

– Ambos concordam com isso?

– Hum, sim, concordo.

– Eu também.

Aí o juiz vai para o centro do ringue segurando as mãos de ambos os lutadores. Se aproxima do microfone. Levanta a mão do cara do Kung-Fu. E DECLARA:

– E O GRANDE VENCEDOR DESSA NOITE ÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ… JOHN “THE DRAGON” BLACK!!!

Tudo bem, caríssimo leitor. Eu também sei que nunca na vida ia acontecer uma coisa dessas. Afinal, o grande lance da UFC são as porradas, o olho roxo, o sangue e tudo o mais. Mas foi mais ou menos isso que aconteceu lá no Rio de Janeiro, nessa tal de “ocupação” da Rocinha.

Avisaram há pelo menos uns quinze dias que nesse final de semana a Marinha, o BOPE, a polícia e mais um monte de gente ia entrar lá e retomar o território ocupado pelos traficantes. Com cobertura da Globo e tudo o mais. E entraram mesmo, sem disparar um tiro sequer. Uma grande vitória sobre a bandidagem, sem sombra de dúvida.

Mas que foi meio frustrante, isso foi.

Praia pra quê?

08/11/2011 - Leave a Response

Votuporanga está entre as 30 melhores cidades brasileiras para se viver. Saiu aí, nos jornais, na TV. Eu vi até um site sobre isso na internet. Você deve ter ouvido falar, todo mundo ouviu. Saiu até no Jornal Nacional, puxa vida. E, para quem acha que nisso tem alguma maracutaia política, saiba que quem colocou Votuporanga nessa posição sequer é do Estado de São Paulo. A responsável por esses dados foi a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro. Do Rio de Janeiro, veja você. Essa Federação aí tem um tal de  Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal que mede esses negócios, para saber o que é que a indústria brasileira deve fabricar e onde é que deve vender. Esse índice acompanha a evolução dos 5.564 municípios brasileiros em áreas como Educação, Saúde, Emprego e Renda, mas, especialmente, ele fala mesmo sobre a qualidade de vida da população. E, no Brasil, os índices de Votuporanga foram superiores até aos das grandes capitais, superando Curitiba, que ficou em 36°, Florianópolis, no 42°, o Rio de Janeiro, no 77°, Goiânia, num distante 78° lugar, e mais um monte de outras cidades que nem entraram no ranking publicado. Quer dizer, você pode reclamar, e tudo o mais. Aliás, não tenho nada contra o ato de reclamar. Reclamar faz bem, especialmente se você não tem muito a perder. Reclame mesmo. Reclame da falta de lixeiras nas ruas. Reclame do trânsito e do radar eletrônico. Reclame dos coqueiros da rua Amazonas. Se a gente não reclamar, o fígado da gente explode, ou a gente explode com qualquer outra coisa que não tem nada a ver e …

– Tudo bem, querido, ninguém está falando que Votuporanga é ruim…

– Não é ruim… Morar aqui é a maravilha das maravilhas!

– Também não é assim, né?

– É claro que é! São cinco mil quinhentos e sessenta e quatro cidades, querida! E Votuporanga está entre as trinta melhores! Entre as trinta melhores!

– Tudo bem, mas o que isso tem a ver com a gente não ir mais para a praia nas férias?

– Bem, se você achar uma cidade aí, no litoral, que ficou na frente de Votuporanga, aí eu vou pra lá, oras…

– Mas… Mas… Votuporanga não tem praia, querido…

– Ê povo que não se contenta, hem? Além de ser uma das trinta melhores cidades para se viver, ainda tem que ter praia?

– A gente não vai MUDAR para praia! A gente só vai passar as nossas FÉRIAS!

– Tá bom, tá bom… Mas você dirige na descida da serra, tá?

Notícias pequenas

06/11/2011 - Uma resposta

Desde que eu me conheço por gente, eu sou uma espécie de caçador de notícias que ninguém lê. Sabe, né? Na maioria das vezes, a gente até bate o olho em um ou dois jornais do dia, mas passa no máximo uns vinte segundos pelas manchetes políticas de primeira página, já que tudo isso já foi falado na televisão no dia anterior, ou a gente viu na internet. Depois, dá uma espiada na seção de cinema para ver que filme está passando. Lê um ou outro quadrinho. E fim. Para a grande maioria dos leitores, ler um jornal é isso, e se alguém perguntar se ele leu o jornal hoje, ele vai responder, sinceramente, com um “claro que li, hoje em dia a gente precisa estar bem informado, rapaz!”.

Pois eu sempre fiz justamente o contrário. E gosto mesmo dessas notícias que ficam lá, escondidas no meio do caderno “Cidades”, numa notinha no pé da página. Ou na seção policial, com aqueles assaltos esquisitos e tudo o mais. E gosto também de ler um pouco sobre ciência, embora, na maioria das vezes, eu não entenda patavina do que é que os caras estão falando.  Para mim, é nessas notícias que a verdadeira humanidade se esconde.

Por exemplo. Você sabia que existe, hoje em dia, um batom que faz o lábio das mulheres… incharem? É, isso mesmo, as mulheres vão lá no seu supermercado ou farmácia predileta, e escolhe um batom que faz sua boca inchar. Os batons causadores do chamado efeito “plumping” são componentes químicos que aumentam a circulação sanguínea no local ou promovem uma hiper-hidratação. A vasodilatação provoca uma sensação de formigamento e deixa os lábios mais rosados, tudo, provavelmente, para tentar ficar parecida com a Angelina Jolie. Quer dizer. Até bem pouco atrás, quando um homem ou uma mulher apareciam de lábio inchado, geralmente a gente nem perguntava o que é que tinha acontecido, para não causar constrangimento a ninguém. E, agora, as mulheres pagam para ter seus próprios lábios inchados. É ou não é uma coisa maluca?

Ou então, trazendo aqui para mais perto da gente, daquele cara que entrou num estabelecimento de Votuporanga, roubou uns celulares e fugiu, mas que esqueceu uma pasta com todos os seus documentos no balcão da loja. Se você lê o jornal assim, por cima, ia perder essa história, que mais parece piada do que qualquer outra coisa, mas que mostra, de uma maneira quase poética, a essência de uma espécie confusa, violenta e meio mal-acabada.