O que a gente faz da vida

Outro dia desses, um amigo pediu pra que eu fizesse um curriculum para ele. Sabe esses curriculuns, né? Desses escritos assim mesmo, em latim, pra ficar bonito e a gente mandar para as empresas, tentando uma vaga e tudo o mais. Pois então. Eu cocei a cabeça, pensando no tanto de coisa que eu tinha pra fazer naquele dia, mas como é um grande amigo, desses que não dá para negar esses favores, eu disse que sim, é claro que eu faria o curriculum dele, mas que, se ele quisesse adiantar, existiam milhares de modelos de curriculum na internet. Era só pegar um deles, trocar os nomes, os endereços e as coisas todas que ele já tinha realizado, e estava pronto. Mas o meu amigo me disse que isso ele já tinha feito. Que o que ele queria é que eu fizesse aquilo tudo ficar um pouco melhor.

Tudo bem, eu respondi, achando que se tratasse apenas de colocar umas letras mais sofisticadas, uma formatação de texto mais moderna, sei lá. Marquei uma hora com ele lá em casa.

Quando ele apareceu, me entregou uma folha de sulfite impressa. Era o curriculum dele, e estava até que bastante bonitinho. Com as coisas devidamente separadas, a sua formação acadêmica, suas experiências anteriores. Tudo certinho, sem problema algum.

– O problema? O problema é que deu só uma folha!

O meu amigo, que ainda não completou nem 24 anos, estava inconformado. Depois de tudo o que ele fez na vida. Estudou desde os três ou quatro anos. Começou a trabalhar com quinze. Teve dois ou três empregos. Entrou na faculdade. Casou. Construiu uma casa. Teve um filho.

– E depois de tudo isso, na hora de fazer um curriculum, dá só uma folha, pombas?

Eu fiquei olhando para aquela folha na minha mão. Realmente, não dá para acreditar que criar um filho não possa ser citado em lugar nenhum de um curriculum que se preze. Muito menos que a construção de uma casa não possa ser encaixada no item “experiências anteriores”.

Tudo bem. Para o curriculum dele dar aí, pelo menos umas duas páginas, a gente sempre podia aumentar o tamanho da fonte, ou inventar qualquer coisa tipos “curso autodidáticode informática avançada”. Mas acho que nada disso iria resolver o problema do meu amigo. Porque o problema dele é o problema de toda humanidade. Olhando assim, por cima, até parece que fazemos muita coisa de nossas vidas.

Mas, quando chegamos a uma certa idade, percebemos que não fizemos é porcaria nenhuma.

Uma resposta

  1. Comigo é diferente. Já fiz um monte de porcarias na vida.

Deixe um comentário